One day I decided to travel and I never came back.
Not due to defiance or wanting to stay; but simply because I changed.
I crossed borders that I never thought I would. Neither on the map, nor in life. I went so far that looking back wasn’t even comforting anymore, it was motivating.
I met people that I can call teachers and gained knowledge that no book could ever teach me. Not because it was a secret but because it was never written.
In my life’s dictionary, I added new meanings to education, fear and respect.
I relearned the value of a few gestures. Like when you’re a kid, the spontaneity of smiles and expressions enforces the most universal form of communication there is – the language of the soul.
I was sheltered by different people, families, strangers, benches and parks. Between floors and humans, both capable of being just as cold or uplifing.
I’ve been through streets, stations, airports and I’m proud to say that I find difficult remebering all their names. My memory shares my desire to freshen up with new and old adventures.
I made real friends. The friendships you make on the road do not fade in space or time. Friends that confront the vast distances and challenge the long years. These are friendships that endure through summers and winters due to the certanity of new encounters.
I lived beyond my own imagination. I shattered expectations and accumulated intangible wealth. I allowed my body and soul to try other states of living and consciousness.
I rediscovered what really fascinates me. I felt intense goose bumps and gave space for my heart to beat faster than my regular daily routine would ever allow.
And you know what?
I began to understand a different meaning of what it is to miss something. Just like we are sometimes, it can be harsh. But I promise you that I can be more than that. Actually, it can be something beautiful.
Knowing that, I reevaluated some of my hugs, gave more respect to some of the words I’ve spoken and I fell in love even more with my friends and family.
Yet, I still have a lot to learn.
If anything, all these experiences drive the certainty of only one thing – I still have a lot of places to see, people to cross paths with and knowledge to discover.
One day I decided to travel…
and it was from that moment on that I realized that any trip is one-way only.
Peguei o metro que nunca pego, saltei na estação que nunca salto, e caminhei como nunca – calmo. Sem pressa, parei.
O vento, como um filho bastardo de um inverno qualquer, me convenceu a tomar um café. Sozinho, e, no meio do caminho, eu parei.
Sentei-me como forma de declínio. Alterei meus próprios planos sem aviso prévio e cessei minha trajetória. Refutei, me opus, resignei. Repentinamente, saí da rota. Alguns olhares até me reprovaram enquanto seguiam.
Foi quando parei enquanto todos passavam. De fora, vi a pressa no pisar de cada passo impaciente. De longe, uma ansiedade urgente em olhares que, se por segundos me encaravam, logo tornavam a mirar além. E iam.
Antes a lentidão daquele meu pequeno presente à sofreguidão daqueles rastros insensatos. Eles parecem renunciar ao momento! Mal digeriram o passado e já nem mastigam o futuro. Dispersos!
Enquanto isso, eu vi. Alienei-me por opção.
E não há meio termo para o porvir. A sincronia perfeita dos acontecimentos é reveladora. Eu poderia estar olhando para a direita e não para a esquerda; ou até mesmo amarrando os sapatos, com minha vista entornada para baixo. Mas não.
Quando passou por mim, logo senti. Não poderia haver outro momento. Isenta ao vai e vem interminável de pessoas pelo salão; imune entre a esquizofrenia incessante desses átomos civilizados. Pude percebê-la na frequência mais baixa.
A inspiração não foge. Muito pelo contrário. A inspiração está entre nós. Infiltrada em nossos caminhos, camuflada em nossa cegueira, despercebida em nossa insensibilidade. Ela caminha segura de si e, pior, só se entrega para quem olha em seus olhos.
E, então, parado, pude ver. A própria bondade de alguns instantes. Vi o amor caminhando nas mãos dadas de desconhecidos amantes, vi pais e filhos indo a uma mesma direção e vi pessoas que, por instantes paravam, e logo seguiam. Vi a própria vida – plural, indiferente e contínua.
Quando parado, percebi que a vida só precisa mesmo é de atenção. O que muitos acham que são por acaso, tantos outros acham que são o destino. Se me perguntam o que acho, para ambos sorrio.
Há um mês comecei algo. Dei voz, confiei. Fui em frente.
Acreditei, e fiz.
E, em um mês, muito pode acontecer. E acontece. Uma vida muda, muitas acabam e outras nascem. Renascem. Ciclos se iniciam, dão vez a outros e novos caminhos se apresentam para velhos olhares.
Lá se foram mais quatro semanas. O tempo realmente voa. Se tanta coisa aconteceu na minha vida, imagina no mundo. Quantas coisas não foram perdidas e conquistadas? Quanto valor não foi descoberto e quanta vida não foi mudada?
Por quantas pessoas eu não cruzei na rua? Tudo que passei, poderia agora ser diferente.
Há trinta dias eu era outra pessoa. Em algum outro tempo, em outro lugar, convivendo com alguns sentimentos e sendo bombardeado por outros pensamentos. Alguns seguem, outros já perderam sentido. Piadas e tragédias flutuam na bipolaridade do mar dos pontos de vistas.
Em um mês fiz tantas coisas. Boas, ruins; sinceras, forçadas. Entre o orgulho e o arrependimento está o selo do fato – passou. A vida mudou. Não presenciei grandes eventos nem grandes milagres. Foi só o tempo que passou. E com ele, a faxina que expurga tudo aquilo que não tem raiz para ficar.
Quantas verdades agora já me contradizem; quantos dias não foram marcantes. Um mês é muito tempo, e um dia também. Uma hora é, sim, muito tempo. A mudança não precisa de muito, ela só precisa ser.
Um momento, agora.
Há um mês, criei este presente. Tão definitivo quanto instável. Que já vai passar.
O que eu quero não está na televisão e não há publicidade que possa me entreter – sequer a dou ouvidos.
O que eu quero só se pode sentir em movimento.
Nas idas sem voltas de novos caminhos, no ineditismo de boas caminhadas ou nas janelas que me oferecem vistas cintilantes.
O que quero só se pode sentir no silêncio incomunicável de um pôr do Sol que – posso jurar – não há câmera que o reproduza.
O que eu quero é presenciar a liberdade de me sentir tão solto e perdido, em meio a pessoas que não conheço, paisagens que não estou acostumado e climas que me são estranhos.
O que eu quero é sentir novamente a carência de rigores, que me desconecta de preconceitos e padrões, que me permite ser a versão mais sincera de mim.
O que eu quero é deixar meu olhar curioso.
Sorrir com espontaneidade, sentir minha sobrancelha arquear-se e desembrulhar cada minuto do meu dia como se fossem cartas embaralhadas pelo destino.
O que eu quero só se pode sentir na condição de carona – é quando o que estava rápido desacelera, uma porta se abre e o resto não mais importa.
Compartilhar momentos memoráveis com pessoas de outros países, continentes e realidades. Quando não descobrimos novas aventuras, descobrimos a nós mesmos. Ser diplomata da vida.
O que eu quero só se pode sentir depois de conversar horas com estranhos, beber novas culturas e brindar com novas palavras. Grandes amizades nascem assim. E amores também.
O que eu quero é aprender novas línguas – não para falar, mas para ouvir mais. Mergulhar em novos conhecimentos, sobrevoar novas religiões e pescar novos sentidos que me façam dar, à vida, uma chuva de significados.
O que eu quero…
O que eu quero só se pode sentir depois de percorrer estradas sem nenhum turista, subir montanhas com lendas locais e descobrir que tudo, na verdade, é especialmente único e perfeito. É descobrir que onde poucos chegam, muitos se encontram.
O que eu quero só se pode sentir depois de dormir em diferentes lugares e acordar olhando para tantos outros tetos. Ou às vezes estrelas – desprender-me: a liberdade de não pertencer a nada me permite, potencialmente, pertencer a tudo.
O que eu quero é silêncio.
Um momento presente de paz; e me conhecer. Gritar para o mundo que sou seu filho e escutar meu chamado ecoar, sem barreiras, até perder-se.
O que eu quero é ir mais longe, sentir o vento redesenhar meu rosto e ser contemplado com uma paisagem que me faça tirar os meus óculos escuros.
O que eu quero só se pode sentir quando o coração é a bússola. Das bandeiras que capitaneia minha alma; do sangue de explorador que desvirgina minhas veias – a livre e amaldiçoada necessidade de lograr novos horizontes.
O que eu quero viola preconceitos, visões pequenas e raízes profundas. À qualquer julgamento prevaleço calado. E sigo.
O que eu quero é viajar; mas viajar de verdade, com verdade e por novas verdades. Despir-me de fronteiras e rotas – ser um sopro de vento entre árvores. Tão livre e tão cativante.
O que eu quero, mesmo, é olhar para frente e saber que amanhã estarei lá.
Certa noite fui convidado a uma luta que eu não queria lutar. Não que eu seja um covarde, mas pense comigo.
A luz estava apagada e a temperatura perfeita. Para completar o enredo, dois travesseiros, uma almofada e um edredom. Eu já estava prestes a dormir!
A primeira vez que o escutei, pressenti uma ameaça. Ainda com os olhos fechados, me fingi de morto e torci para que aquele pesadelo não se iniciasse. Contei segundo após segundo com a esperança de que ele não me visse. E, de repente, um silêncio absoluto.
O primeiro rasante pareceu ser só um alerta. Pela potência sonora, o mosquito era um dos grandes e estava faminto. O segundo ataque era questão de tempo.
Ele veio.
Pude escutar sua vinda. Imediatamente, uma cena veio à cabeça: eu via seu sorriso sádico, sedento por sangue, marchando em minha direção ao som de “Cavalgada das Valquirias” – um massacre estava por começar.
Primeiro tentei uma armadilha. Ofereci meu ouvido como isca; os olhos estavam abertos como um sentinela e as mãos prontas para golpeá-lo. Senti sua presença próxima ao meu rosto e acertei um impiedoso tapa em minha própria cara – não há vitória sem sacrifício.
Minha alegria durou menos de cinco minutos e logo ouvi o amedrontador som de seu voo novamente. Naquele momento eu tinha um rosto vermelho, um medo crescente e uma ilusão de vitória.
Para ganhar tempo, escondi minha cabeça embaixo do travesseiro, reforcei com o edredom e junto à parede da cama improvisei um bunker.
Passaram-se dois minutos e eu já estava pedindo arrego. Dificuldade em respirar, calor e desconforto. Retirei a proteção e depositei toda minha fé em um código biológico de ética universal – “se um não quer, dois não brigam.”.
Ele me deu cinco minutos de trégua e voltou como um fantasma.
De Sun Tzu à Darwin, procurei explicações para a superioridade do meu adversário no confronto. Considerei um acordo – deixaria meu braço de fora e tentaria dormir: os dois sairiam satisfeitos.
Pois, resolvi enfrentá-lo.
Levantei-me, acendi a luz e incorporei um caçador. Esqueci meus problemas, a hora, o sono e minha compaixão. Era um vingador inapelável. Logo resgatei um spray e recorri, inclusive, às armas químicas.
Em um ataque resolvi o problema.
E não me arrependo.
Mas com aquela noite aprendi – se um dia sentir-se pequeno para realizar algum feito, lembre-se do dano que um mosquito pode causar em sua noite de sono.
Se as roupas já não me vestem mais, os velhos brinquedos tampouco me servem. Daquelas figurinhas que eu colecionava e dos tantos álbuns que eu quase completei, nenhum deles tem mais espaço em minhas atuais coleções. Daquele tempo, trago comigo uma porção de risadas e cicatrizes de uns velhos machucados.
Lembro-me, também, de amigos que não vejo desde aquela época, cada rosto inocentemente travesso. Chego a rir sozinho das tantas descobertas e aventuras que nos metíamos. Por onde será que eles andam agora…
Da minha adolescência, creio, também não levo nada físico.
Sumi com aqueles CDs e nunca mais vi o pôster daquela banda que nem é mais a minha favorita. Até minha memória deixou de lado trechos seletos de velhas canções. Perdi o quadro que fiz com o ingresso, mas carrego comigo aquele show – como poderia esquecê-lo – talvez tenha sido a primeira vez em minha vida que me senti independente.
Já não sei mais onde está o cordão que ganhei da minha primeira namorada. Daquele dia, lembro-me apenas da marca que fizemos na árvore com as iniciais dos nossos nomes. Aliás, lembro-me de tantos momentos que jurávamos ser eternos. De todos os presentes que trocamos, hoje levo comigo apenas boas histórias e experiências.
Da adolescência carrego com carinho as minhas primeiras viagens, as primeiras bebedeiras, os momentos compartilhados com aqueles amigos que, quem diria, são meus amigos até hoje.
Na verdade, vou me contrariar. Tenho lembranças físicas sim. Às vezes, inclusive, recorro às fotos que ficam lá em cima do armário. Perco horas naquela gaveta empoeirada, e encontro em cada recordação um atalho para reaquecer minha vida. Não chego a voltar no tempo, mas nem precisaria. Dou àquela velha experiência mais um dia de vida, faço a prolongar-se.
E talvez isso queira dizer algo: de repente, entre o preço e a finitude do que é material, ou entre as inúmeras ilusões que nos entretêm, o que verdadeiramente importa desta vida está no valor e na eternidade das boas experiências.
Hoje, cada vez mais, busco entender e quantificar o valor de cada momento, de cada sorriso e de cada escolha. Se prestigio boas experiências, automaticamente fabrico boas memórias. E é isso que espero levar; este é o verdadeiro fardo de nossa riqueza; pois, do que levo do meu passado, nada físico levamos desta vida.
Não foi nem um pássaro nem com cantos de galo que acordei. O despertador vociferava aos meus ouvidos para que eu já despertasse em um estado de agressividade e pressa.
Levanto e junto comigo o meu cansaço. “Nem dormi e já está na hora”, pensei. Pensei não, resmunguei. Aos meus olhos, meu quarto oferece um irresistível aconchego cinco estrelas. Se ontem rolei horas antes de dormir, neste momento minha cama me chama mais que o canto de uma sereia.
Venço a tentação e me dirijo ao banheiro. No banho, incorporo o arquiteto da rotina – decido que roupa eu vou vestir, o que vou comer no café da manhã, qual minuto exato preciso sair de casa e, quando sobra tempo, faço uma conta rápida para calcular em quantas horas estarei de volta ao meu querido lar – geralmente é desanimador.
Enquanto me enxugo, repasso o plano na cabeça. Visualizo em que gaveta está aquela meia e faço um raio-x mental se tenho tudo o que preciso na mochila. Ela provavelmente está na mesma posição que a joguei ontem à noite.
Macaco velho que sou, coloco o sanduíche para tostar e ligo a cafeteira enquanto, em paralelo, ganho tempo para terminar de me arrumar – minha manhã já começa com conceito de produtividade máxima.
Que minha nutricionista não leia isto, mas tomo minha primeira refeição em pé. De um lado para o outro, me preocupo para que o farelo do pão não caia pela casa enquanto executo tarefas pontuais. Do contrário, não consigo sair no horário arquitetado no banho.
Olho para o relógio e cinco segundos depois preciso olhar de novo. “Que horas são mesmo?”, me pergunto. São tantas coisas na cabeça que não consigo assimilar o horário de primeira, necessito revê-lo umas duas ou três vezes até entender que estou atrasado.
Checo se a casa está toda trancada, escovo os dentes em velocidade recorde e dou o último trato no visual. Penso na minha cama novamente, mas sigo em frente e supero.
No caminho para o trabalho o trânsito me entorpece. Dá até preguiça de se estressar. Estou tão cansado que se cochilo por alguns minutos parece que entrei em coma.
Pela quarta vez consecutiva dou uma geral no meu celular para procurar alguma novidade que me entretenha. Já esgotei todas. Das centenas de músicas que possuo no meu acervo pessoal, nenhuma parece servir.
Escutar o rádio, pior ainda. Entre notícias ruins e horríveis sobre crimes e assassinatos, sou informado daquela mesma batida naquele mesmo ponto que ontem também estava trânsito. Conheço o discurso tão bem que poderia até substituir o tal repórter aéreo.
Chego perto do meu trabalho e, naquela última caminhada antes de entrar no escritório, deixo de lado meu aspecto zumbi e finjo que sou a pessoa mais disposta daquela manhã. Desejo um “bom dia!” com a falsidade de um comercial de margarina.
Já no trabalho, o piloto é automático – me atualizo sobre o noticiário do dia, trabalho um pouco; comentam comigo sobre algum acontecimento inútil da vida de alguém e trabalho mais um pouco. No horário do almoço, alguém me confessa como está ansioso pelas férias e que não aguenta mais aquela rotina. Volto para o trabalho e planejo tomar um café ou ir ao banheiro com a esperança de ‘gastar’ preciosos minutos. Trabalho mais um pouco e logo começo a me concentrar em três tarefas – terminar o mais rápido possível o que estou fazendo, rezar para nada novo aparecer e inicio a contagem regressiva para ir embora.
Saio do escritório e já está escuro. Praticamente nem vi o Sol hoje. Mentira, alguém postou uma foto de pôr do sol e eu vi pela internet. Será que isso conta?
O trânsito da volta não merece nem comentários. A sensação de voltar para a casa talvez seja a mesma daqueles filmes de guerra, no qual o soldado retorna à sua amada depois de caminhar por planícies e desertos.
Abro a porta, acendo a luz e tranco a fechadura. Ainda no automático, só dou conta de que estou em casa quando escuto o barulho que as chaves produzem ao encontrar o balcão da cozinha ou a mesa da sala. Este sim é o sinal que me diz que estou finalmente de volta.
Jogo minha bolsa em qualquer canto e me dirijo para a ducha como se fosse um banho turco. Lá, entro em alfa.
Mais tarde, na cama, não consigo dormir. Meu corpo sequer reage, no entanto minha mente funciona a todo vapor. Penso em tanta coisa que nem sei o que penso. Não sei se assisto a TV, mexo no meu celular, leio um livro ou tento fazer tudo ao mesmo tempo. Rolo na cama e quando quase pego no sono me lembro de uma tarefa – “Ah, o despertador.”.
As horas avançam e começo a me preocupar com o dia seguinte. Aumento sobre mim a pressão para dormir e, claro, não durmo. Pouco a pouco, dou voz ao filósofo que me torno quando o teto do meu quarto se torna meu horizonte.
Repenso minha vida e revivo alguns sonhos. Por alguns momentos imagino cenas que me dão uma sensação tão boa. Viajo em outros paralelos e encontro o conforto que me carece. “E se…”.
Reflito, respiro e bocejo. Não concluo nenhum dos três e antes que repare, dormi.
Aquela sequência de acontecimentos nada cinzas e cheios de vida. Um momento que minha única atividade era ser feliz. Que meus problemas eram logo superados e que eu era bobo suficiente para não dá-los tanta atenção.
Nesse dia, me lembro, fui perguntado sobre o que eu queria ser quando crescer. Não soube responder, pois viver já me bastava. Como eu seria capaz de responder isso se era tão mais importante decidir se eu iria jogar vídeo game ou assistir o desenho animado que acabara de começar?
Um doce sonho de menino.
Intrigava-me como contas que chegavam pelo correio causavam mal-estar na “gente grande”. Um quarto escuro me parecia tão mais amedrontador que este pequeno pedaço de papel.
Quando meu maior medo era do escuro, me confortava saber que meu maior desafio fora conseguir andar. Eu, que já havia ficado de pé sozinho, agora criava a minha própria distância do horizonte. Mas o escuro ainda dava medo mesmo assim.
Naquele dia, meu amanhã só aparecia mesmo depois do hoje. Era sincero comigo e com todos ao meu redor. Lembro-me como eu era estranho à algumas coisas novas que a “gente grande” fazia.
Mas logo deixava de pensar e ia me divertir.
Hoje, confuso, não sei dizer se sonhei com a vida que tinha ou apenas lembrei do sonho que eu um dia vivi.
Só sei que, com o passar do tempo, aquela vida do menino mais me parecia um sonho mesmo. Tão simples e tão distante. Com uma ingênua sabedoria, a felicidade era o caminho e a razão primária de tudo.
Das camuflagens que hoje visto, dos problemas que hoje enxergo e do amanha que hoje vivo, fiz daquela vida apenas um sonho e vi o menino tornar-se o homem que não entendia.
Hoje não tenho mais medo do escuro. Pior, tenho medo do que é cinza.
Quem diria que, no final das contas, entre aquele menino e eu, ele vivia enquanto eu sonhava.