
Certa noite fui convidado a uma luta que eu não queria lutar. Não que eu seja um covarde, mas pense comigo.
A luz estava apagada e a temperatura perfeita. Para completar o enredo, dois travesseiros, uma almofada e um edredom. Eu já estava prestes a dormir!
A primeira vez que o escutei, pressenti uma ameaça. Ainda com os olhos fechados, me fingi de morto e torci para que aquele pesadelo não se iniciasse. Contei segundo após segundo com a esperança de que ele não me visse. E, de repente, um silêncio absoluto.
O primeiro rasante pareceu ser só um alerta. Pela potência sonora, o mosquito era um dos grandes e estava faminto. O segundo ataque era questão de tempo.
Ele veio.
Pude escutar sua vinda. Imediatamente, uma cena veio à cabeça: eu via seu sorriso sádico, sedento por sangue, marchando em minha direção ao som de “Cavalgada das Valquirias” – um massacre estava por começar.
Primeiro tentei uma armadilha. Ofereci meu ouvido como isca; os olhos estavam abertos como um sentinela e as mãos prontas para golpeá-lo. Senti sua presença próxima ao meu rosto e acertei um impiedoso tapa em minha própria cara – não há vitória sem sacrifício.
Minha alegria durou menos de cinco minutos e logo ouvi o amedrontador som de seu voo novamente. Naquele momento eu tinha um rosto vermelho, um medo crescente e uma ilusão de vitória.
Para ganhar tempo, escondi minha cabeça embaixo do travesseiro, reforcei com o edredom e junto à parede da cama improvisei um bunker.
Passaram-se dois minutos e eu já estava pedindo arrego. Dificuldade em respirar, calor e desconforto. Retirei a proteção e depositei toda minha fé em um código biológico de ética universal – “se um não quer, dois não brigam.”.
Ele me deu cinco minutos de trégua e voltou como um fantasma.
De Sun Tzu à Darwin, procurei explicações para a superioridade do meu adversário no confronto. Considerei um acordo – deixaria meu braço de fora e tentaria dormir: os dois sairiam satisfeitos.
Pois, resolvi enfrentá-lo.
Levantei-me, acendi a luz e incorporei um caçador. Esqueci meus problemas, a hora, o sono e minha compaixão. Era um vingador inapelável. Logo resgatei um spray e recorri, inclusive, às armas químicas.
Em um ataque resolvi o problema.
E não me arrependo.
Mas com aquela noite aprendi – se um dia sentir-se pequeno para realizar algum feito, lembre-se do dano que um mosquito pode causar em sua noite de sono.
(Marcelo Penteado)
3 respostas para “Dramas da vida: quando Golias venceu”
Gosto muito desse texto. Já li e reli muitas vezes. A cada leitura surpreendo-me com algo, que ainda não havia percebido. As palavras da Cora Coralina resumem o que percebo a cada leitura dos seus textos… acho que são dela… li em algum lugar… sei que não são minhas…retratam como o vejo, um autor… um artista que expressa sua arte através da inspirada “arrumação” das palavras.
“Escrever é um ato solitário, é colocar-se em palavras. Palavras são como folhas de plátano soltas ao vento… em direção aos novos horizontes. Deixá-las voando irreverentes, sem cordas para serem puxadas e sem lugar determinado para pousarem, sempre a favor do vento. Assim é o ato da escrita, deixar fluir palavras que, voando devagar, ao caírem, adubarão terras distantes.”
Márcia Moraes
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e quando você enfim levanta, acende a luz, procura e eles se escondem?
daí você deita de novo.
e lá vem o zumbido.
argh.
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São palavras que realmente
te emocionam!
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