sigoescrevendo

Um manifesto de palavras sob a regência de cada momento.



Paris, 2013

Imagina se um dia sua sinceridade acorda de mau humor.

Resolve romper este silêncio reprimido que o império da convivência social impõe sobre as suas próprias fronteiras.

Imagina, que no teatro da sua vida, a sua sinceridade cansou de ser a árvore no fundo do palco. Em meio ao espetáculo de palmas forçadas, imagina se ela se cansa e, no refrão da música, resolve abandonar.

Quando a sinceridade chegasse ao camarim, tomaria um susto ao não se enxergar no espelho. Irreconhecível. Estaria ela camuflada, maquiada, com seus movimentos programados. A fantasia que lhe vestia era o cárcere que lhe privara. Eram tantas raízes que sequer podia andar.

Logo a demagogia viria tentar convencê-la a repensar. Aquela conversa morna, tendenciosa e frívola. Argumentos que, de tão enferrujados, infeccionam as vontades mais sinceras como tétano e submetem o arbítrio a uma coerção comportamental.

Agora imagina que sua sinceridade está obstinada. Suponha que ela tenha conseguido resistir e passou a apenas desejar “bom dia” para os verdadeiros bons dias.

Se o dia pudesse falar – imagina – será que ele não agradeceria à sinceridade por ter sido, finalmente, tão decente?

Assim, pouco a pouco, ela ganharia força, confiança. Promoveria discursos inflamados; incitaria as vontades mais sufocadas. Não demoraria muito para que sua sinceridade lutasse, também, por você.

Sua influência e integridade liderariam uma verdadeira cruzada. Ela conduziria uma marcha de libertação e invadiria seu coração com a ideologia das boas verdades, expulsando angústias, desapossando mentiras e alforriando lágrimas.

E se tudo isso acontecesse, tão real quanto agora, não lhe agradeceria a felicidade por tornares tu a mais crível das companhias?

(Marcelo Penteado)


5 respostas para “Imagina”

  1. Vou ver se há novidades. Encontro esse texto, impecável. Começo: “Imagina se um dia sua sinceridade acorda de mau humor. Resolve romper este silêncio reprimido que o império da convivência social impõe sobre as suas próprias fronteiras.” Dou asas ao meu deslumbramento e ao final me surpreendo:” E se tudo isso acontecesse, tão real quanto agora, não lhe agradeceria a felicidade por tornares tu a mais crível das companhias?” Marcelo, és um “encantador de palavras”. Um autor pronto. Meus elogios estão caindo na mesmice das repetições. Mas? O que falta para que possa encontrá-lo, em formato de livro, nas livrarias do mundo, em meio a Clarice Lispector, Ana Munro, Machado de Assis… Preciso buscar quem fale por mim. Encontro identidade em Mia Couto, para parabenizar mais essa obra, que acabas de nos presentear: “Imagina”. Parafraseando, creio que novamente, num outro formato, uma de suas seguidoras: sigassempreescrevendo… sigamossemprelendorelendo…

    SER, PARECER

    Entre o desejo de ser
    e o receio de parecer
    o tormento da hora cindida

    Na desordem do sangue
    a aventura de sermos nós
    restitui-nos ao ser
    que fazemos de conta que somos.

    Mia Couto

    abraços,

    Márcia Moraes

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