sigoescrevendo

Um manifesto de palavras sob a regência de cada momento.


Carta aberta


Suiça, 2013

A quem estiver aberto(a),

Por favor, não seja breve. Conte-me uma história. E que não seja rasa. Pode ser incoerente, não ligo. Na verdade, até te entendo.

Sabe, eu não assisto TV. Então, entretenha-me. Sem roteiros. Nem horário comercial. Temos tempo, pode falar.

Se não se importar, passe essa tarde comigo. Vamos tomar um café. Queria te escutar, te conhecer melhor. Ir além das formalidades e de toda esta socialização automatizada.

Ouvir o que você não costuma falar. Fazer perguntas que te façam pensar. Esquecer as respostas reativas. Elaborar uma conversa sincera.

Desligue este celular. Hoje, sou eu quem vibro por sua atenção.

Depois, por que não vamos por ali? Não me importo de andar um pouco. Até gostaria. Conversar caminhando. Caminhar conversando. Tudo junto, embora um de cada vez.

Podemos sentar naquele banco? Sem pressa, esperaremos o sol se pôr. Está quase. Quem sabe em quinze minutinhos.

Não, não tire foto. Olhe, apenas. Ele tem mais a oferecer que uma bela vista. Sinta-o. Deixe-o envolver-te.

Isso.

Não, não vá embora. Por que tanta pressa? O silêncio também faz parte da conversa. É o momento chave de compreensão. Não há nada mais nobre que compartilhar, juntos, um ensejo de silêncio.

Agora que respirou fundo, me diga – quanto tempo já não fazia isso?

Pois é.

Respeitando o mutismo de sua afirmação e posterior ao ensaio de seu sorriso – pergunto-lhe, retoricamente – não foi bom?

(Marcelo Penteado)


6 respostas para “Carta aberta”

  1. Sensível ! Lindo ! Apaixonante ! Nostalgia do tempo que sentíamos um ao outro . Sem foto , sem celular interagindo ate mesmo no silencio 🙂 … Espetacular

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  2. “Carta Aberta”… “Respeitando o mutismo de sua afirmação e posterior ao ensaio de seu sorriso – pergunto-lhe, retoricamente – não foi bom?” Não consigo ficar “muda”: foi muito bom me deparar com esse texto, extasiante, arrebatador, encantador. Tenho que calar a voz do meu coração e fazer valer a razão: não sei se por talento, inspiração ou técnica, conseguiste imprimir nova “forma”, outra técnica, na produção de mais essa obra. Muito interessante.

    O que preciso refletir: “Agora que respirou fundo, me diga – quanto tempo já não fazia isso?”

    Conversar com o leitor é uma técnica magistral.

    Alberto Caeiro meio que conversa com o leitor neste fragmento, de sua imortal obra, “O Guardador de Rebanhos”. Como lhe considero um poeta, que sabe encaixar as palavras aos sentimentos, mesmo produzindo prosa… ninguém melhor que Caeiro para falar o que lhe desejo dizer…

    “Pensar incomoda como andar a chuva
    Quando o vento cresce e parece que chove mais.

    Não tenho ambições nem desejos
    Ser poeta não é ambição minha
    É a minha maneira de estar sozinho.

    E se desejo às vezes
    Por imaginar, ser cordeirinho
    (Ou ser o rebanho todo
    Para andar espalhado por toda a encosta
    A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
    É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
    Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
    E corre um silêncio pela erva fora.

    Quando me sento a escrever versos
    Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
    Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
    Sinto um cajado nas mãos
    E vejo um recorte de mim
    No cimo dum outeiro,
    Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
    Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
    E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
    E quer fingir que compreende.”

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