sigoescrevendo

Um manifesto de palavras sob a regência de cada momento.



Madrid, 2013

Janelas ainda abertas, projetos inacabados. O sorriso sarcástico do prazo. Companhia inesquecível. Um dedo de café na xícara. Nem mais nem menos que isso. Frio. A sobra daquilo que já foi quente. Tal qual o último suspiro daquele que reflete o espelho.

Olheira sendo convidada a ficar depois do combinado. Carreatas e mais carreatas de sono chegando sem parar. Bocejos desesperados. Se eles não forem ouvidos, o cansaço falará.

A mesa escuta lamentações enquanto a parede consola. Porções de papéis envolvem o ambiente. Não se desenvolvem. Não são fluídos. Não passam de rascunhos.

Fios, carregadores e tantas outras coisas. Tampas de caneta viram passatempo. Canetas estas que, às vezes, nem mais escrevem. Pontas cansadas, quase sem tinta. Um corpo sem ânimo. Soa familiar.

A roda, que já foi a maior invenção da humanidade, limita-se a sustentar uma cadeira tão previsível. Um pouquinho para lá; um pouco para cá. Movimentos circulares que não levam a lugar nenhum.

Geralmente, sempre por perto, o ponteiro do relógio é o chicote dos novos tempos. Se perceber, inclusive, faz barulho também. A dor, no entanto, é moderna. Ansiedade, angústia, preocupação. Nada físico.

Ao alcance das mãos, está o celular. É o portal que sempre prova que há vida ativa em algum outro lugar que não o seu. Uma esperança ou um castigo?

Resultados, objetivos e metas. Muita pressão para pouco prazer. Orgulho de concluir e não de criar. Se entrarmos no campo dos valores, tudo termina em preço. Melhor terminar por aqui.

 (Marcelo Penteado)


3 respostas para “Viés”

  1. “Viés”… análise que não respeite os princípios da imparcialidade. Muito interessante esse título. Adequado. Texto por demais provocante. Seduz o leitor, meio interlocutor, a lê-lo, várias vezes e se envolver na imensa parcial imparcialidade, profundamente sedutora. Aí… chego neste momento de tão encantadora obra: “Geralmente, sempre por perto, o ponteiro do relógio é o chicote dos novos tempos. Se perceber, inclusive, faz barulho também. A dor, no entanto, é moderna. Ansiedade, angústia, preocupação. Nada físico.”

    Como não se identificar.

    Como sou alma leitora, surge Caeiro, nítido, translúcido, como a alfinetar minha existência… «O que é a realidade? Eu quero só a realidade, as coisas sem presente.»

    Vive, dizes, no presente,
    Vive só no presente.

    Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
    Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.

    O que é o presente?
    É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
    É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
    Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.

    Não quero incluir o tempo no meu esquema.
    Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
    como cousas.

    Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

    Eu nem por reais as devia tratar.
    Eu não as devia tratar por nada.

    Eu devia vê-las, apenas vê-las;
    Vê-las até não poder pensar nelas,
    Vê-las sem tempo, nem espaço,
    Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
    É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.

    Alberto Caeiro, in “Poemas Inconjuntos”

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