
Até então, era o mais distante que eu havia estado de casa. A sensação era poderosa. Reforçava uma espécie de necessidade de ir além. Estar longe era como me alongar: fazia sentir-me maior, relaxado e íntimo ao prazer.
Muito sedutor dominar o desconforto. Sentir-se bem em ser absolutamente estrangeiro. Talvez a segurança em ser tão desprendido exista na falsa esperança de que todas as raízes permanecem intactas, em casa.
Quando a distância age, no entanto, a própria vida muda os caminhos. Ou os caminhos mudam a vida, pouco importa. A volta, de tão longe, se transforma em uma nova ida. O tempo, o afastamento e as experiências são um convite irreversível à mudança.
Viajar remodela compreensões. Existe a distância que se mede e aquela que se sente. Existe um tempo para nada e um tempo para tudo. Existem algumas verdades que parecem até mentira.
Geralmente, consequente ao retorno, manifesta-se um sentimento inconveniente. A maior distância do mundo experimenta-se, curiosamente, dentro da própria casa. O lugar que era para ser o mais seguro, passa a se tornar desconfortável. Todo o desconsolo de ser estranho em seu próprio ninho.
Como não caber mais.
A sensação é igualmente poderosa. Contudo, oprime. Todo o aprendizado obtido começa a fazer sentido. Lembranças voltam com força. O conhecimento parece ter vida. Por ser vivo, escapa ao controle. Neste momento, fugir passa, então, a ser uma motivação a viajar.
A ideia de partir para se encontrar é tão atraente quanto romântica. Uma cláusula condicional à satisfação plena. Sempre lá, sempre longe. Estar fora para se sentir inteiro. Eis o martírio de muitos que viajam.
Até que, nem mesmo a viagem pode responder algumas perguntas. O prazer é sempre indescritível. Porém, é preciso algo mais.
Um bom viajante também vai para dentro. Ouve seu espírito. Desafia-se a entender que não é o lugar que lhe traz a sensação de liberdade. Compreende o propósito do ir e a interação do estar. Em si, com resto.
A boa viagem, em realidade, está no encontro da alma com o destino.
(Marcelo Penteado)
6 respostas para “Sobre viagem”
Que reflexão incrível.. Descreve em ‘poucas’ palavras o real sentimento de um viajante que se descobre.
É exatamente isso que ocorre. A transformação tem suas fases…
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Perfeito o seu texto, 6 meses de volta em casa, é assim que eu me sinto :’)
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“Um bom viajante também vai para dentro.” Viajar é o modo mais prazeroso que conheço de conhecer-me.
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Beleza! Preciso na sua reflexão.
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As vezes nao da tempo pra ler na hora, mas i promise to. Curto muito sigoescrevendo! Abs Enviado via iPad
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“Quando a distância age, no entanto, a própria vida muda os caminhos. Ou os caminhos mudam a vida, pouco importa. “(…) “A boa viagem, em realidade, está no encontro da alma com o destino.”
Acabo de ler seu texto. Pessoa “pulula” em minha alma. Quanto deste Fernando está em sua “pessoa”.
Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!
Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!
Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.
Fernando Pessoa, 20-9-1933
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