
Criança corre descalça.
Entende o mundo com a sola do pé. Precisa sentir, sujar-se, entregar-se em toque e alma para saber o que é. Corre com o vento, contra o vento, sem sequer ligar pra ele. Faz seguir a direção da descoberta.
Pisa no gramado, em companhia ao jardim. Não lhe pertence fugir da lama. Vê nas folhas um caminho a desviar. Brinca, brinca até encontrar outro motivo para brincar.
Criança não precisa de nada, por já ter tudo. Sobe o portão, escala a mureta. Busca no vazio a importância que ele tem. Afinal, é divertido dar significado às coisas. Toca na árvore, antes subi-la. E decide, tão justa a transposição dos segundos. Olha, toca, e deixa. Com a pureza, ainda, do anjo que nem se lembra ser. Ou, pela realidade, confunde-se.
Criança, quando fica em silêncio, é por escutar o cochicho da verdade. Sua vontade plena de querer viver, brincar. Corre, pula, tira o cabelo do rosto. Observa, sente e vai. Até quando volta, vai. Tudo é novo, intrigante, dá gargalhadas de prazer.
Criança anda despreocupada. Pega um graveto no chão sem pensar que pode ter formiga. Corre atrás do passarinho e só não voa por que não quer. Dá voz à natureza das coisas. Apoia num galho bamba, que há anos não havia de ser tocado. Este galho, que podia ser eu. Que te olha de longe, embora te respire ofegante. Nostálgico como a luz que denuncia o outono.
Crianças vão como o próprio tempo. No único sentido que se denota – onde o presente abre a gaiola para o futuro. Adulto nasce quando, ao escorregar o olhar em outras direções, compõe o momento com entoações de saudades.
(Marcelo Penteado)