Para entrar em uma rota de crescimento é preciso estar disposto a desapegar.
Isso significa abrir mão de padrões conhecidos em favor da transformação. Significa desarmar a própria inércia, desconforto e resistência.
Equilibrar-se em movimento.
Definições, quando perdem o vínculo da convicção, abrem espaços sem querer.
Por sua vez, espaços vazios são gentis às mudanças de forma. Assim, um novo olhar. Outro ângulo ou perspectiva. O conhecimento, em sua única essência, é expansivo.
Em algum momento e por (in)consequente razão, nós os direcionamos valores.
Invariavelmente, um novo patamar criará seus próprios mecanismos para se fazer padrão. Nós alimentamos isso. E antes que se diga errado, é meramente natural.
A sombra da recompensa é a segurança. A aventura só é tão atrativa por ser um respiro mais forte que a pausa.
Até para os olhos que não querem ver, a certeza cansa. O novo se permite quando a raiz da mudança emerge na consciência.
Todo mundo anda meio perdido. (Nem que seja um pouco). Ou apenas um parênteses.
Um generalismo com licença poética, embora absolutamente realista. Uma afirmação de fácil discordância, não fosse pela sensibilidade dos olhos em traduzir almas.
Talvez pelo excesso de opções. A falta de ordem, o transbordamento de desejos. Regamos ausências com doses de vontades. Expectativas. Um novo, um outro, que não agora. Nada, agora, parece suficientemente pleno. Digno de coexistir à própria respiração.
Perdidos. Pela falta, ou pelo oposto. Temente ao medo que há na lacuna das incertezas. Medo de ter certeza. Escolher, pois, deixar de lado. Um passo que se dá é um infinito que se altera. O universo presente em cada detalhe.
Ninguém sabe, exatamente, onde a estrada leva. Previsões são possibilidades. Estradas são metáforas. Até o futuro, por outro lado, é apenas um fato atrasado. A realidade se constrói na desconstrução do tempo – a isso chamamos momentos.
A vida é um plural de instantes que se encontram. Sentir-se perdido não é o problema, nem um tormento. É uma percepção irrelevante. O que não se pode perder, ao contrário, é a pluralidade que subverte o enquanto.
“Acrescente um pouco de nada à sua vida”, me disse um sábio, que não existe – “pois no vazio despretensioso que se cria no enquanto, quem sabe um vento não enxuga seus olhos.
Pensamentos também nascem quando a rotina se esquece.”
Entre a expectativa e a memória, existe um ponto de realidade, com outras cores e outros sons. Novos ares, como uma nova dose, resistentes à renovação.
A mesma rua, por ora, é outra rua. A mesma rua, outro sou eu.
Confundimo-nos.
Ela, vaga ao egoísmo da minha lembrança; eu, pleno em sua realidade mais nua. Incompatível ao meu estar. Ao meu olhar de significação. Sinais escorridos pelo tempo, com o tempo. Para outros tempos…
Revisitar um lugar para reviver uma memória – quem nunca?
A experiência, no entanto, muda a consciência. Isso só se percebe depois. Um movimento de avanço. Percebido pelo retorno.
Retornar. Retomar.
Vive-se um esvaziamento de significado da rotina, do passado e do presente. Uma nova perspectiva precisa de espaço para crescer. De credo para existir.
Preciosa como uma semente, a mente de quem retorna. Pelo o olhar da inconsciência, porém, nenhuma viagem oferece regressos.
Como a vida e tantas outras coisas pequenas, a natureza de seu caminho é a continuidade.
De repente e, dia após dia, ele queria ser grande. A vontade de crescer, o descontentamento com a idade. O tamanho não compartia tamanhos anseios. Os desejos de ser eram maiores do que se era. Um outono por ano ainda parecia insuficiente. Queria mais, e cada vez mais rápido.
Como se o tempo não passasse o suficiente.
Queria pular o que não havia nem visto. Lembrar o que não viu ou até mesmo ser sem sequer ter sido. Queria ter sentido, sem antes sentir. Sem enquanto, nem durante, nem nunca.
Criança deixou de ser quando ainda era. Um dia, grande queria ser em pensamentos. Logo eram desejos transformados em palavras. Cresceu despercebendo a beleza em ser exatamente o que se era.
Ao olhar para o futuro, as vontades e os desejos, não o deixavam sentir os problemas que só o presente é capaz de oferecer. As brincadeiras viviam a realidade pelo ombro da fantasia. Como era bom ser gente grande, quando ainda não se se era.
Cresceu, de fato.
Ora grande, quando só, lembrou de anseios como se pensa em besteiras. Ao olhar para as paredes, fotos soltas em histórias antigas. Parte do que esqueceu-se de esquecer por inteiro.
Eram lembranças querendo atenção. Nada que o tempo não leve. Ele sempre levou.
Um outono me disse que outros virão. Quanto ao tempo, tranquilizei-me.
Foi tamanha certeza que me deu segurança para seguir incerto. Perto do longe, por um pouco mais de tempo.
Caminhei por vilas, com becos guardados de silêncio e sombra. Nada que desse mais medo que estar forrado em lãs, guardado do céu. Justamente quando não tive endereço, senti a presença de casa.
Sem nuvens, por terra, pisei sensível para me guiar sem chão. Entre pegadas e memórias, optei pelo qual podia levar comigo.
Vi o verão tirar férias em outro lugar. Sempre um prazer.
Continuei e não só meu cabelo cresceu. Quanto mais calado, mais meus pensamentos me ensinaram a hora exata de falar. Logo descobri que eram raras.
Por falar em memórias, se bem me lembro, reparei mais folhas que pedras no caminho.
Levei meses para entender que a primavera estava em meus olhos.
Não sei exatamente se há um momento chave. Muito menos sei descrever a gota fotografada no flagrante do transbordo. Seu tamanho, densidade ou relevância. A única condição que exige o desencadeamento de uma mudança é o fim da validade de um ato.
Tudo que começa no silêncio encontra uma maneira de conseguir sair.
Cedo ou tarde, eis a hora que não dá mais: a rescisão deixa de ser uma ideia. É necessária uma ruptura. A começar pelo basta de tudo aquilo que não se suporta mais.
Na esquina do limite não há espaço para fazer retorno. Tem-se apenas o que se permite. Leva-se somente o que cabe. Andar para frente sem olhar para trás.
Decisões adiadas, já cansadas de esperar. O tormento de sonhos exilados. O futuro também sabe enviar fantasmas. Tantas linhas – em vão tecidas – viraram nós. Ou contra nós.
“Chega!”.
Quando ergue-se o muro do basta, destacam-se, à vista, apenas tudo que tem espaço para crescer. Inegavelmente claro não por ter mais altura, mas pela vitalidade de suas raízes.
A voz do “chega” tem um tom de cansaço. Um pouco mais reticente, pode-se dizer. Aprendeu, controversamente, a importância em valorizar as escolhas francas. Nas apostas da vida com o tempo, raramente duram os blefes.
Nega-se com mais certeza. Escolhe-se, consentido de convicção. Maturidade talvez seja enfrentar o próprio caminho e ir de encontro ao tropeço de suas próprias pedras.
O abraço paterno às consequências. Aceitar – com a consciência de quem pôde decidir.
Reconhecidamente gratos, aliás. Nunca saberíamos disso sem viver o que vivemos. Cada único momento. A experiência desafiadora de sair de casa. Ou mais – a libertadora sensação de sentir a casa sair de nós.
Medos, voláteis, pouco a pouco se esvaziaram. O aeroporto, a partida, a ilusão de estar só. Como é bom não saber que aquele olhar meio perdido pela janela do avião é a última versão inédita de nós mesmos. Jamais retorna o mesmo que vai.
Ao contrário do que geralmente aprendemos, chegar é, apenas, o primeiro passo. Um campo aberto de possibilidades se inicia a partir de então. É como ter a oportunidade de reconstruir parte da história de sua vida, de forma consciente. Novos círculos familiares, novos grandes amigos, novas descobertas e habilidades.
O intercambista não descarta nada.
Tudo que se vive significa um aprendizado ou experiência. Viver fora é um processo contínuo de absorção. Todas as pessoas importam, assim como qualquer caminho contribui. Além de todas as observações, não há conversa que se jogue fora.
Aprendem-se línguas, hábitos e, inclusive, novas formas de aprender. A sensação única de surpreender-se consigo. Passar a entender que você é capaz de ir além do que antes acreditava. Superar-se e ser superado. O respeito às diferenças é o ponto chave da convivência construtiva.
Perder, no entanto, é o maior dos aprendizados. Quando perdem-se barreiras, ganha-se o horizonte. Somos bons perdedores porque entendemos que a circunstância da perda é uma cláusula condicional dos momentos inesquecíveis.
O que passamos a chamar de casa, não tarda, fica para trás. Os remotos desconhecidos que se tornam melhores amigos, a distância, um dia, os separa. O intercâmbio é um período de conquistas e perdas diárias. Intensidade e esvaziamento. Liberdade e desapego.
O momento da volta é uma grande lição. Quando a sensação parece ser de deixar para trás tudo aquilo que se conquistou, voltar em paz significa entender que nada daquilo realmente te pertenceu. Pelo contrário, foi você quem se entregou à vida.
Viver uma experiência é melhor que tê-la: isso é saber perder.