De enxergar todo o resto como uma unidade. Uma companhia a parte. Os detalhes, suas complexidades. O olhar como um resvalo, o passo passageiro.
Estar só é o que me dá sobrevida, psicanalise da alma. As interações com a natureza, plena, externa, beleza do meu ser.
Viajar sozinho restaura déficits do sentido.
Lembro que respiro, que sei olhar e apenas olhar. Revejo muito. Mútuo. Quando me dou conta, já esqueci de pensar por um tanto. Olho, enxergo, respiro. Respiro porque preciso de ar, que por sua vez precisa de espaço.
Movimentos de expansão. Tão mais importante que pensar. Do que mais me nutro – momentos. Verdadeiros, pois, coexistimos.
Novamente, refugiei-me nos lençóis da distância. Longe da minha realidade mais familiar, insisto em viver sob o céu que não conheço, a fim de esperar por lampejos de reflexão, que em casa já não sei mais ouvir.
Só de não andar preocupado, a objetividade que falta em meu caminhar sobra no discernimento de meus pensamentos. Quando não há pressa nem atraso, qualquer sensação tem o direito de tomar seu tempo.
Livre, acompanha-me pelas ruas o meu diálogo particular. Penso, vejo, penso. Argumentos vão e vem. Como pessoas, que levam adiante de mim algo que deixo com elas, para trás.
Um olhar, uma palavra, uma ilusão não terminada. Conversas desconhecidas sem nenhuma pretensão, a não ser as demandas do momento. Assim, o tempo só passa quando eu o faço passar.
Encontro em cada esquina um motivo para dobrar a rua: nenhum. Viajar é viver um mosaico, onde cada momento que se constrói é o pedaço de um significado, cuja grandeza não se faz entender no instante em que se vive.
– Como escolher por retratar a felicidade, no exato segundo de cada momento? –perguntou.
Coube ao olhar de Osvaldo, professor de nada, embora reconhecido mestre de assuntos serenos, resguardar-se no silêncio, para só então responder:
– Dê vida à morte.
Aprendizados, quando engravidados por metáforas, possuem uma gestação preciosa.
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Em outro momento da vida de Sandra, uma chuva levou todas as opções da tarde e fez da janela um observatório da vida. O vento que falava de tédio era frio feito vidro suado.
Uma fileira de formigas cruzava os respingos do mármore e desconfiança terceiras. Eis que a moça aproximou seu olhar ao ponto de desfocar os detalhes.
Um grande suspiro trouxe do menor dos mundos: a afirmação da existência é a própria negação da morte.
Não sei exatamente se há um momento chave. Muito menos sei descrever a gota fotografada no flagrante do transbordo. Seu tamanho, densidade ou relevância. A única condição que exige o desencadeamento de uma mudança é o fim da validade de um ato.
Tudo que começa no silêncio encontra uma maneira de conseguir sair.
Cedo ou tarde, eis a hora que não dá mais: a rescisão deixa de ser uma ideia. É necessária uma ruptura. A começar pelo basta de tudo aquilo que não se suporta mais.
Na esquina do limite não há espaço para fazer retorno. Tem-se apenas o que se permite. Leva-se somente o que cabe. Andar para frente sem olhar para trás.
Decisões adiadas, já cansadas de esperar. O tormento de sonhos exilados. O futuro também sabe enviar fantasmas. Tantas linhas – em vão tecidas – viraram nós. Ou contra nós.
“Chega!”.
Quando ergue-se o muro do basta, destacam-se, à vista, apenas tudo que tem espaço para crescer. Inegavelmente claro não por ter mais altura, mas pela vitalidade de suas raízes.
A voz do “chega” tem um tom de cansaço. Um pouco mais reticente, pode-se dizer. Aprendeu, controversamente, a importância em valorizar as escolhas francas. Nas apostas da vida com o tempo, raramente duram os blefes.
Nega-se com mais certeza. Escolhe-se, consentido de convicção. Maturidade talvez seja enfrentar o próprio caminho e ir de encontro ao tropeço de suas próprias pedras.
O abraço paterno às consequências. Aceitar – com a consciência de quem pôde decidir.
Véspera de feriado é um fenômeno absolutamente curioso. Trata-se de uma crônica perfeita da vida real. Um retrato, dos mais fiéis, do estilo de vida contemporâneo.
A começar pela ansiedade. Ela é quase um bem – pessoal e intransferível.
Cada um tem sua maneira peculiar de manifestá-la. Alguns começam dias antes. Cultuando o recesso como se fosse o último gás de sua longa maratona. Esperam por ele. Ávidos.
Há quem tente manter a compostura, mas escancara sua apreensão entre as incontáveis olhadas para o relógio. Nem os ponteiros aguentam tanta agonia. Seguram-se ao máximo, até a metade do dia, geralmente.
A partir daí, rezam. Um silêncio sagrado, para que não surja nenhum tipo de imprevisto. Ao final, se tudo der certo, nem sorriem. Saem com pressa. Aliviados.
(Curioso como chegam ao trabalho felizes por saber que não terão que trabalhar nos próximos dias. Tão curioso quanto incoerente. O livre arbítrio parece até estar com a carteira assinada.). Era para ser só um parênteses.
No escritório ou no trânsito, a cabeça está em outro lugar.
Imaginando a viagem, o descanso ou seja lá o que for. Normal. O que menos se faz é estar focado no agora. Somos pescadores de distrações. Ou pescado por elas. Quer dizer… é tanta isca que até confunde.
De todas as formas, o feriado serve para fazer tudo aquilo que a semana não deixa. Um suspiro de tempo livre.
Geralmente, a culpa de tanta falta de tempo é do trabalho, da rotina, do calendário, de tudo… menos nossa. Acreditamos não ter escolhas, mesmo quando essas próprias escolhas ainda acreditam em nós.
Assim a cidade muda suas roupas. Põe suas perninhas de fora. Pessoas vão e vem. Velhos espaços são preenchidos por novidades. Novos ares, novas histórias. Bonito, muito bonito.
Uma pena! Que tamanho lampejo de euforia dependa de uma data.
Janelas ainda abertas, projetos inacabados. O sorriso sarcástico do prazo. Companhia inesquecível. Um dedo de café na xícara. Nem mais nem menos que isso. Frio. A sobra daquilo que já foi quente. Tal qual o último suspiro daquele que reflete o espelho.
Olheira sendo convidada a ficar depois do combinado. Carreatas e mais carreatas de sono chegando sem parar. Bocejos desesperados. Se eles não forem ouvidos, o cansaço falará.
A mesa escuta lamentações enquanto a parede consola. Porções de papéis envolvem o ambiente. Não se desenvolvem. Não são fluídos. Não passam de rascunhos.
Fios, carregadores e tantas outras coisas. Tampas de caneta viram passatempo. Canetas estas que, às vezes, nem mais escrevem. Pontas cansadas, quase sem tinta. Um corpo sem ânimo. Soa familiar.
A roda, que já foi a maior invenção da humanidade, limita-se a sustentar uma cadeira tão previsível. Um pouquinho para lá; um pouco para cá. Movimentos circulares que não levam a lugar nenhum.
Geralmente, sempre por perto, o ponteiro do relógio é o chicote dos novos tempos. Se perceber, inclusive, faz barulho também. A dor, no entanto, é moderna. Ansiedade, angústia, preocupação. Nada físico.
Ao alcance das mãos, está o celular. É o portal que sempre prova que há vida ativa em algum outro lugar que não o seu. Uma esperança ou um castigo?
Resultados, objetivos e metas. Muita pressão para pouco prazer. Orgulho de concluir e não de criar. Se entrarmos no campo dos valores, tudo termina em preço. Melhor terminar por aqui.
Por favor, não seja breve. Conte-me uma história. E que não seja rasa. Pode ser incoerente, não ligo. Na verdade, até te entendo.
Sabe, eu não assisto TV. Então, entretenha-me. Sem roteiros. Nem horário comercial. Temos tempo, pode falar.
Se não se importar, passe essa tarde comigo. Vamos tomar um café. Queria te escutar, te conhecer melhor. Ir além das formalidades e de toda esta socialização automatizada.
Ouvir o que você não costuma falar. Fazer perguntas que te façam pensar. Esquecer as respostas reativas. Elaborar uma conversa sincera.
Desligue este celular. Hoje, sou eu quem vibro por sua atenção.
Depois, por que não vamos por ali? Não me importo de andar um pouco. Até gostaria. Conversar caminhando. Caminhar conversando. Tudo junto, embora um de cada vez.
Podemos sentar naquele banco? Sem pressa, esperaremos o sol se pôr. Está quase. Quem sabe em quinze minutinhos.
Não, não tire foto. Olhe, apenas. Ele tem mais a oferecer que uma bela vista. Sinta-o. Deixe-o envolver-te.
Isso.
Não, não vá embora. Por que tanta pressa? O silêncio também faz parte da conversa. É o momento chave de compreensão. Não há nada mais nobre que compartilhar, juntos, um ensejo de silêncio.
Agora que respirou fundo, me diga – quanto tempo já não fazia isso?
Pois é.
Respeitando o mutismo de sua afirmação e posterior ao ensaio de seu sorriso – pergunto-lhe, retoricamente – não foi bom?
Se essa página em branco fosse minha vida, seria difícil não acreditar em liberdade. Ora, se assim fosse, como se cada palavra escrita representasse um suspiro de viver, ou o destino está atrasado ou eu realmente sou o autor da minha própria história.
Ainda assim pensando, com simplicidade se apresentariam algumas verdades: não é que cada palavra escolhida faria total diferença? Quando a linha acaba e o espaço é preenchido, todavia ainda há novos espaços em branco.
Não seria melhor continuar ao invés de tentar reescrever?
Então cada fase seria um novo parágrafo. Insistir ou mudar de assunto seria uma escolha absolutamente minha. Enredo, tema, personagens. Assim decidiria pelo tamanho ou onde pôr vírgulas. Até entre a dúvida por perguntas ou afirmações há um momento para pontos finais.
Poderia falar de amor, descrença ou política. Que farei eu deste texto? Não é que a escolha é mesmo minha?
Cedo ou tarde seria preciso encontrar harmonia. Isto é, se esta página fosse mesmo minha vida, acabei de chegar à metade do caminho e nada de ninguém me ajudar. Quanta responsabilidade!
Agora, ciente, poderia deixar a confusão para trás. Trataria de priorizar os bons pensamentos, estes sim selecionam as melhores palavras. Criam as melhores histórias. Seria verdadeiro em minha trama, sincero em meu roteiro e autêntico em minha mensagem. Afinal, a história é minha.
Largaria tudo e me entregaria à poesia. Entre a vida e a ficção, aposto que ambas são sinônimos de criação. Assim, criaria. Por cada novo espaço, novos motivos e novas orações. Leve e fluído.
Se essa metáfora fosse uma semente e encontrasse ambientes férteis, não ficaria mais natural o desabrochar de velhas vidas? Páginas seriam escritas com mais significância e a futuridade dos espaços em branco seria respeitada como ela merece – impávida; infinita.
Mas se toda esta página, que já não está mais em branco, fosse apenas uma página e não uma metáfora sobre a vida, que opção teria senão esquecer este texto, partir para a próxima e, virar a página?
Chove de manhã. O céu também pode ficar nublado. Se até o tempo varia, como nós não haveríamos de mudar? O pássaro que antes cantava, agora dorme. O outro voou.
O dia mal começou e já estou acordado, tão diferente e disperso de horas atrás. A noite passou e o sono também. O que não passa?
E assim a vida segue; passam-se oportunidades, momentos e fica para trás o que não é escolhido. Mas do que importa? A vida segue.
Festejos se vão, sorrisos se perdem, sentimentos enfraquecem – só é eterno o que é diário. O tempo só teme a constância.
O que ouvi, passou; o que eu vi, já vi; do que já vivi, passado.
Mas o tempo há de mudar, ele sempre muda.
E esta dor passa. O calor volta e a cara muda. O presente se eterniza a cada segundo.
Pois, como não hei de amar o que faço? Como não hei de fazer o que amo?
E quando não amo, a vida também há de seguir. Com ou sem, arrependido ou não, a vida vai seguir.
E, às vezes, não sei. Às vezes não, por muitas vezes. Com o tempo não se briga, se aprende. Afinal, temos um contrato vitalício de convivência.
Sei mesmo que em cada momento há um significado a ser buscado – no sim, no não, no talvez, sempre.
Por mais que às vezes nos falte um chão ou nos sobrem asas; por mais que não tenhamos a compreensão; em meio a um sonho ou a um pesadelo; a vida, simplesmente, continua.
Convicta, irredutível, ferrenha – ela segue.
Quero mais que ela siga mesmo; e, mesmo que não quisesse, ela seguiria ainda assim.
Ou não percebi que a vida trocou suas roupas ou eu ando meio offlline demais.
Meus valores entraram em coma e os tempos se desenham confusos. Costumava acreditar que compartilhar significava doar. No meu viver, o que eu curtia pouco tinha a ver com o que aos outros eu demostrava.
Então algo aconteceu.
Publicar tornou-se um divisor de águas. Um selo que autentica e desqualifica a própria vida. Uma projeção irreal de doces mentiras. A privacidade virou clichê.
Parece que a vida ganhou novos planos. A felicidade agora não se contenta mais com o momento. Ela é vaidosa, precisa ser vista por outros olhos, comentadas por outras bocas. Quer expandir-se a cada curtida. O que antes era fato, hoje é foto.
Temo que desaprendi algumas velhas maneiras.
Em tempos de exposição, o sorriso é pop. Reflete o flash enquanto a pose não perde tempo. Somos a versão editada e replicada de nós mesmos. Nos aplicamos filtros e nos definimos em poucas palavras. Micro caracteres ansiando por macro exposição.
Amizades agora se solicitam. E, assim, se aceitam! Pessoas reduzem-se a nomes; contatos reduzem-se a cliques; relacionamentos através de conexões invisíveis. Eu sigo, tu segues – onde vamos parar?
Agora posso saber de tudo. Por onde anda, com quem estava e quando foi. O massacre da curiosidade esvazia o valor das perguntas. Se o olho passa a fiscalizar tantos fatos, para que vai olhar em outros olhos?
E nada para.
A angústia é em real time porque sempre há alguém fazendo questão de vociferar si mesmo. A vida virou uma feira e cada qual com seu stand propagando seus eventos. Um leilão de felicidade medido por votos de inveja branca.
Pior, nossa biografia em constante construção é continuamente avaliada. Podemos ser aprovados ou menos acolhidos. Nosso sentimento de pertencimento passa a ser guiado pela repercussão das nossas difusões virtuais. Uma “tabloidização” das mais vulgares da vida regular.
E assim a vida tem seguido. Reduzida às curtidas. Encurtando-se. Roteirizando-se por caminhos de vidro. Uma transparência maquiada, explanações dissimuladas e inconvenientes.
Neste reino de aparências o ego e a vaidade se travestem de alegria.
A felicidade tornou-se um espetáculo, que tem prazer em se exibir. Um teatro vago e lamentável. Insuportável. Mas que vivência mais tangível!
Ou, de repente, a vida realmente trocou suas medidas ou, de fato, ando offline demais.